sábado, 25 de julho de 2009
O ANJO-MARIA
O ANJO-MARIA
Merlânio Maia
Um dos casos mais tocantes que vi no nosso trabalho da Cia. Do Boneca de Lata, foi o de Maria.
Maria era uma menina de apenas três anos, que, depois de muito sofrimento no sertão da Paraíba, teve o diagnosticado o câncer nos intestinos e, buscou tratamento no Hospital Napoleão Laureano, hospital referência na região nordeste, e foi ali que a conheci.
Maria era de uma personalidade forte, de um olhar meigo, carinhoso e, por essas e outras coisas, profundamente amada.
Seus pais são sertanejos, sitiantes, cuja família consistia de pai, mãe e duas filhas, Maria e Mariana e a estrutura daquela família era de dar inveja a todos. Pelo muito que se amavam sem vergonha de demonstrar que se cuidavam com muito carinho e de uma forma profunda.
Tive oportunidade de conversar muito com Luiz, o pai e para eles a família é a coisa sagrada que existe na vida, conceito apropriado para a célula familiar.
Desde a sua chegada no primeiro tratamento que Maria ficou muito ligada ao Boneco de Lata. Lembro que ela chegara desidratada, com a barriga imensa, sentindo muitas dores e o seu pai fervoroso não parava de pedir ajuda a Deus. Maria olhou-me com um olhar profundo agonizante e eu lhe perguntei se gostaria que eu tocasse uma música e ela apenas balançou a cabeça afirmativamente.
A partir dali nasceu nossa amizade até o fim.
Assim foi passando o tempo de tratamento, ela ia para sua casa e voltava, entre alegrias e tristezas, cantos e contos, nossa amizade se consolidou e tivemos muitos momentos intensos em que ela e a sua família muito me ensinaram sobre a fé ante o sofrimento.
Quando Maria completou cinco anos, foi para o sertão e perdi um pouco o contato com eles, até que num sábado, chegamos ao hospital e fizemos nossa visita inicial e a encontramos lá, mas muito mal, sequer abriu os olhos, apesar de Luiz ter dito a ela eu estava ali do seu lado. Falei baixinho que a amava e fui fazer meu trabalho de cantoria com as outras crianças.
Terminado a cantoria, voltei ao leito de minha pequena amiga e o que presenciei jamais poderei esquecer.
Maria acabara de falecer.
Todos choravam!
Então vi seu pai pegá-la nos braços e elevando-os em oferenda para o alto dizia com a voz embargada:
- Olha, Meu Deus, aqui está o teu anjinho que um dia me presenteaste e que me fez tão feliz, Senhor, te devolvo este presente lindo, para que ela possa ser feliz ao teu lado sem dor e nem sofrimento. Obrigado meu Pai, por este lindo anjinho. Vem receber, meu Senhor e faz ela feliz no Teu reino de luz e paz...
E caiu num choro doloroso, acompanhado por todos que ali se encontravam.
Mas confesso a você, caro leitor, que até agora, ainda me comovo só com a lembrança daquela cena em que o pai devolvia o seu anjo a Deus. O Anjo-Maria.
(Alertamos ao leitor que o caso é real, só mudamos os nomes, Luiz e Maria, por questões óbvias de proteção desses nossos amigos.)
quinta-feira, 9 de julho de 2009
terça-feira, 23 de junho de 2009
MEU ANJO
MEU ANJO
Artigo do Dr. Rogério Brandão
Médico oncologista clinico
RC Recife Boa Vista D4500
Médico cancerologista, já calejado com longos 29 anos de atuação profissional, com toda vivencia e experiência que o exercício da medicina nos traz, posso afirmar que cresci e me modifiquei com os dramas vivenciados pelos meus pacientes.
Dizem que a dor é quem ensina a gemer.
Não conhecemos nossa verdadeira dimensão, até que, pegos pela adversidade, descobrimos que somos capazes de ir muito mais além. Descobrimos uma força mágica que nos ergue, nos anima, e não raro, nos descobrimos confortando aqueles que vieram para nos confortar.
Um dia, um anjo passou por mim...
No início da minha vida profissional, senti-me atraído em tratar crianças, me entusiasmei com a oncologia infantil. Tinha, e tenho ainda hoje, um carinho muito grande por crianças. Elas nos enternecem e nos surpreendem como suas maneiras simples e diretas de ver o mundo, sem meias verdades.
Nós médicos somos treinados para nos sentirmos "deuses". Só que não o somos! Não acho o sentimento de onipotência de todo ruim, se bem dosado. É este sentimento que nos impulsiona, que nos ajuda a vencer desafios, a se rebelar contra a morte e a tentar ir sempre mais além. Se mal dosado, porém, este sentimento será de arrogância e prepotência, o que não é bom. Quando perdemos um paciente, voltamos à planície, experimentamos o fracasso e os limites que a ciência nos impõe e entendemos que não somos deuses. Somos forçados a reconhecer nossos limites!
Recordo-me com emoção do Hospital do Câncer de Pernambuco, onde dei meus primeiros passos como profissional. Nesse hospital, comecei a freqüentar a enfermaria infantil, e a me apaixonar pela oncopediatria. Mas também comecei a vivenciar os dramas dos meus pacientes, particularmente os das crianças, que via como vítimas inocentes desta terrível doença que é o câncer.
Com o nascimento da minha primeira filha, comecei a me acovardar ao ver o sofrimento destas crianças. Até o dia em que um anjo passou por mim.
Meu anjo veio na forma de uma criança já com 11 anos, calejada porém por 2 longos anos de tratamentos os mais diversos, hospitais, exames, manipulações, injeções, e todos os desconfortos trazidos pelos programas de quimioterapias e radioterapia.
Mas nunca vi meu anjo fraquejar. Já a vi chorar sim, muitas vezes, mas não via fraqueza em seu choro. Via medo em seus olhinhos algumas vezes, e isto é humano! Mas via confiança e determinação. Ela entregava o bracinho à enfermeira, e com uma lágrima nos olhos dizia: faça tia, é preciso para eu ficar boa.
Um dia, cheguei ao hospital de manhã cedinho e encontrei meu anjo sozinho no quarto. Perguntei pela mãe. E comecei a ouvir uma resposta que ainda hoje não consigo contar sem vivenciar profunda emoção.
Meu anjo respondeu:
- Tio, disse-me ela, às vezes minha mãe sai do quarto para chorar escondido nos corredores. Quando eu morrer, acho que ela vai ficar com muita saudade de mim. Mas eu não tenho medo de morrer, tio. Eu não nasci para esta vida!
Pensando no que a morte representava para crianças, que assistem seus heróis morrerem e ressuscitarem nos seriados e filmes, indaguei:
- E o que morte representa para você, minha querida?
- Olha tio, quando agente é pequena, às vezes, vamos dormir na cama do nosso pai e no outro dia acordamos no nosso quarto, em nossa própria cama não é?
(Lembrei minhas filhas, na época crianças de 6 e 2 anos, costumavam dormir no meu quarto e após dormirem eu procedia exatamente assim.)
- É isso mesmo, e então?
- Vou explicar o que acontece, continuou ela: Quando nós dormimos, nosso pai vem e nos leva nos braços para o nosso quarto, para nossa cama, não é?
- É isso mesmo querida, você é muito esperta!
- Olha tio, eu não nasci para esta vida! Um dia eu vou dormir e o meu Pai vem me buscar. Vou acordar na casa Dele, na minha vida verdadeira!
Fiquei "entupigaitado". Boquiaberto, não sabia o que dizer. Chocado com o pensamento deste anjinho, com a maturidade que o sofrimento acelerou, com a visão e grande espiritualidade desta criança, fiquei parado, sem ação.
- E minha mãe vai ficar com muitas saudades minha, emendou ela.
Emocionado, travado na garganta, contendo uma lágrima e um soluço, perguntei ao meu anjo: - E o que saudade significa para você, minha querida?
- Não sabe não tio? Saudade é o amor que fica!
Hoje, aos 53 anos de idade, desafio qualquer um dar uma definição melhor, mais direta e mais simples para a palavra saudade: é o amor que fica!
Um anjo passou por mim...
Foi enviado para me dizer que existe muito mais entre o céu e a terra, do que nos permitimos enxergar. Que geralmente, absolutilizamos tudo que é relativo (carros novos, casas, roupas de grife, jóias) enquanto relativizamos a única coisa absoluta que temos, nossa transcendência.
Meu anjinho já se foi, há longos anos. Mas me deixou uma grande lição, vindo de alguém que jamais pensei, por ser criança e portadora de grave doença, e a quem nunca mais esqueci. Deixou uma lição que ajudou a melhorar a minha vida, a tentar ser mais humano e carinhoso com meus doentes, a repensar meus valores.
Hoje, quando a noite chega e o céu está limpo, vejo uma linda estrela a quem chamo "meu anjo, que brilha e resplandece no céu. Imagino ser ela, fulgurante em sua nova e eterna casa.
Obrigado anjinho, pela vida bonita que teve, pelas lições que ensinastes, pela ajuda que me destes.
Que bom que existe saudades! O amor que ficou é eterno.
Rogério Brandão
Médico oncologista clinico
RC Recife Boa Vista D4500
Cremepe 5758"
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